A Câmara dos Deputados recebeu hoje (26) mestres e mestras das culturas populares, gestores culturais e parlamentares para participar de uma audiência pública, de iniciativa da deputada Dandara (PT/MG) para debater o Programa de Proteção e Promoção dos Mestres e Mestras das Culturas Populares e Tradicionais. Essa proposta foi apresentada há 14 anos no Congresso Nacional, através do projeto de lei chamado “Lei das/dos Mestras e Mestres” (PL 1176/11).
A proposta prevê o pagamento de um auxílio financeiro de, pelo menos, dois salários mínimos a pessoas que reconhecidamente representem a cultura brasileira tradicional, de acordo com critérios do Conselho Nacional de Política Cultural. As mestras e mestres brasileiros ainda encontram muita resistência do poder público para reconhecer seus papéis fundamentais na formação e na manutenção da nossa cultura.
“Os mestres e mestras são verdadeiros guardiões da nossa cultura e do saber popular, um patrimônio vivo que reflete a riqueza da nossa diversidade cultural. Reconhecer as pessoas que preservam conhecimentos ancestrais, como as tradições indígenas, afro-brasileiras, quilombolas, campesinas e tantos outros saberes populares, é mais do que um ato de valorização. É um compromisso com a reparação histórica e fortalecimento da nossa identidade. Preservar esses saberes é garantir que a história do Brasil seja contada por quem sempre a manteve viva”, afirmou Dandara.
Estiveram presentes mestres e mestras do norte ao sul do Brasil e representantes de diversas organizações e movimentos populares e culturais, como Mestra Iara (Congado de MG), Mestre Paulão Kikongo ( Capoeira do RJ), Mestre Gil (Jongo de SP), Mestra Martinha do Coco (Coco do DF), Mestra Claudete Barroso (carimbó do PA), Mestre Manoelzinho Salustiano (Maracatu de PE), Mestra Fernanda (Capoeira do PR) e Tião Soares, Diretor da Diretoria de Promoção das Culturas Populares/Ministério da Cultura.
Foram debatidos temas como o impacto da meta 17 do Plano Nacional de Cultura, que trata do reconhecimento e proteção dos mestres das culturas populares, e a necessidade de mobilização para garantir sua efetiva implementação. Também foi sugerido um mapeamento nacional desses mestres e das práticas culturais tradicionais para que sirva de base na formulação de políticas públicas voltadas à preservação e valorização dessas manifestações.
“A cultura é um direito garantido pela Constituição. No entanto, precisamos transformar esse direito em realidade, reconhecendo e valorizando quem realmente produz cultura: os mestres e mestras que preservam nossas raízes”, comentou Tião Soares, representante do Ministério da Cultura, que também colocou a necessidade de que esses conhecimentos sejam parte do currículo escolar da escola fundamental e médio e das universidades públicas federais e estaduais. Ele também ressaltou o papel dos municípios na valorização de mestres e mestras, citando o exemplo de iniciativas bem-sucedidas como a da cidade de Viamão (RS).
“O Estado não produz cultura, quem produz cultura somos nós,” afirmou Paulão Kikongo, um dos mestres capoeiristas presentes, ressaltando que, embora muitos bens culturais tenham sido reconhecidos como patrimônio imaterial, esses patrimônios estão em risco.
A deputada Dandara apontou a necessidade de reverenciar as benzedeiras, erveiras, garrafeiras, mestras artesãs, foliãs, congadeiras, rezadeiras, parteiras, doceiras, capoeiristas, líderes de casas e terreiros, cordelistas e tantos outros que, ao longo de gerações, preservaram e transmitiram saberes ancestrais. “Precisamos honrar os mestres e mestras, que mesmo diante das diversas formas de silenciamento impostas pela colonialidade. Isso significa reconhecer e valorizar esses conhecimentos – um passo essencial para a reparação histórica e para o fortalecimento da identidade cultural brasileira”, finalizou.
Além das discussões, o evento foi marcado por relatos inspiradores. Mestre Gil, com 29 anos no magistério e liderança no Jongo do Piquete, destacou a luta contra o racismo por meio da cultura. Mestra Iara, de Uberlândia, compartilhou suas experiências com o Congado e projetos sociais que conectam a comunidade à ancestralidade africana. Outras figuras de destaque, como Mestre Paulão Kikongo, Martinha do Coco, Mestre Manoelzinho Salustiano e Mestra Fernanda Machado, também enriqueceram o debate com suas trajetórias de resistência e inovação cultural.
O encontro reforçou a urgência de dignidade e respeito para com os mestres e mestras, propondo ações concretas para garantir que a cultura popular siga viva e fortalecida. “Os nossos patrimônios não podem morrer”, disse Mestre Gil do Jongo de São Paulo.
Um dos encaminhamentos da audiência pública foi a redação de uma carta destinada aos parlamentares para pressionar pela aprovação do projeto de lei que prevê a valorização dos mestres e mestras.